SOCIALISMO: Um Projecto de Sociedade

Miguel Judas

Organização e Gestão da Produção

No entanto, o sistema capitalista, baseado numa feroz competição por taxas de lucro elevadas, desenvolveu, perversamente, é certo, mas desenvolveu, métodos de organização e gestão empresarial da produção e de organização da investigação científica e tecnológica de elevada eficiência e produtividade, que constituem património da humanidade e que o Socialismo, em novas condições, terá de continuar a desenvolver para a elevação contínua da produtividade do trabalho social. Neste tipo de meios de produção, da gestão da produção, os revolucionários não devem ter quaisquer preconceitos anti-capitalistas, devendo antes aprender com os capitalistas, tal como o fez a URSS nas fases do seu mais intenso desenvolvimento industrial, ao mesmo tempo que deverão complementar esses métodos de organização e gestão com as potencialidades disponibilizadas pelo exercício da "democracia integral". Infelizmente, na URSS, que serviu de "guia" para quase todas as experiências socialistas já concretizadas, veio a gerar-se, a partir de meio da década de 1950, um modelo de gestão económica e empresarial que nem soube acompanhar os avanços do capitalismo na matéria, nem utilizou qualquer das vantagens que a concretização da "democracia integral" poderia ter proporcionado. Vê-se assim que a nacionalização de todos os meios de produção, e em primeiro lugar da terra e dos recursos naturais, exigida pela continuada concretização da "democracia integral", não tem, por si só, uma importância determinante no desenvolvimento posterior dos meios de produção, designadamente dos sistemas de organização e gestão, no sentido da maximização da produtividade do trabalho social. Essa nacionalização poderá, num primeiro momento, permitir uma mais justa repartição do produto social obtido e permitir algumas alterações positivas nas relações de produção, reduzindo a pressão em cima da massa de trabalhadores e, por isso, ser saudada. Mas não mais do que isso, se não for acompanhada de um extraordinário avanço nos modelos de gestão decorrentes da "democracia integral" aplicada às actividades produtivas, da valorização técnica, científica e criativa da força produtiva humana e da aplicação extensiva às actividades produtivas e dos serviços das mais modernas aquisições da ciência e da técnica, todos orientados para a máxima produtividade do trabalho social.

Cabem aqui umas palavras relativas aos sistemas de "gestão económica" capitalista e socialista e à figura do planeamento, como uma das funções dessa gestão, tanto ao nível do sistema produtivo e de serviços no seu conjunto como de cada uma das suas unidades. Os princípios de "gestão económica" do Socialismo são fundamentalmente diferentes dos do capitalismo. Vejamos: No Capitalismo: O capitalismo, enquanto sistema económico, não é um sistema que tenha por missão a gestão da sociedade no seu conjunto nem a satisfação das necessidades sociais. A teoria de base do capitalismo é a "mão invisível", segundo a qual do prosseguimento dos interesses individuais pelos capitalistas resultará, em condições de livre mercado, automaticamente, a satisfação dos interesses de toda a sociedade. Se bem que a teoria da "mão invisível" já tenha sido largamente rebatida pelos próprios teóricos da economia burguesa, estes continuam a guiar-se pelos seus interesses individuais e, em situações de necessidade, designadamente para afrontarem as lutas dos trabalhadores, pelos seus interesses de grupo, de classe. O "foco" da sua atenção é, pois, a gestão das suas empresas, das "fábricas de mais-valia", e dos correspondentes mecanismos de "distribuição" e acumulação. Não se focando embora na gestão global da sociedade, não lhe interessando portanto saber se os cidadãos são pretos, amarelos ou verdes, gordos ou magros, alegres ou tristes, se gostam de cantar ou de dançar, a burguesia capitalista está muito interessada em que as entidades responsáveis por essa "gestão da sociedade", os governos, pelo menos não se choquem contra os seus interesses fundamentais e, se possível, que sejam muito colaborantes, tanto em manter a "ordem" interna como nos processos de "externalização de custos" e "internalização de proveitos" (entrega de recursos naturais...) e, ainda, sempre que necessário, que utilizem os recursos públicos e os povos na defesa diplomática ou bélica dos interesses dos diversos grupos da burguesia face a terceiros. Por essa razão, a burguesia admite tanto governos fascistas belicosos e repressivos (ditaduras) como governos humanistas, mais atenciosos para com os cidadãos (sociais-democracias). É-lhes indiferente, desde que as condições gerais do seu interesse sejam respeitadas. Tão-pouco os capitalistas ficam, só por isso, assustados com a palavra "nacionalização". Esta também faz parte da sua "caixa de ferramentas", sendo de grande utilidade quando é necessário transferir custos para a sociedade e beneficiar dos investimentos sociais depois realizados. São exemplos disso, em países desenvolvidos, numerosas nacionalizações de activos degradados que foram posteriormente reabilitados com investimentos públicos e novamente privatizados; tal como hoje acontece com os deficits bancários da actual grande crise financeira. No âmbito estrito daquilo que mais directamente lhe interessa, a esfera económica e, especialmente, a das empresas de produtos ou serviços do sector capitalista, de "alto valor acrescentado", a burguesia utiliza dois instrumentos de "regulação" e direcção: ao nível dos mercados, a "mão invisível", isto é, a anarquia e a irracionalidade, cada vez mais condicionada pelos grupos monopolistas, e, no âmbito das respectivas empresas, o planeamento minucioso, rígido e racional e a disciplina hierárquica. Para o capitalismo não existem sociedades humanas; estas, devidamente atomizadas e desestruturadas, são unicamente entendidas como dois grandes mercados: um de mão-de-obra (de trabalhadores assalariados) e outro de consumo (de consumidores, condicionados pela publicidade e a cultura competitiva-consumista). Na sua fase mais avançada criou ainda o mercado de capitais. O capitalismo não incorpora a categoria de cidadãos, só as de mão-de-obra e de consumidores. A regulação dos "mercados" é a essência da "democracia" entre os burgueses (a mão invisível), ela própria gradualmente substituída pela rastejante ditadura dos monopólios. A sua incapacidade para regular, por si própria, em regime de "auto-regulação", esses "mercados", evidencia os limites da burguesia para continuar a dirigir a economia, tanto ao nível nacional como "regional" e global, onde cada vez mais domina a irracionalidade. Nas condições da democracia política baseadas no sufrágio universal, conquistada pelas lutas dos povos, a "regulação" do mercado de trabalho foi assumida pelos governos; em consequência, consoante a correlação de forças nestes, algumas conquistas foram alcançadas, designadamente através da luta sindical dos trabalhadores, quanto às condições de trabalho, os despedimentos e quanto à repartição global dos resultados da produção. Porém, com governos ao serviço da burguesia, sejam eles reaccionários ou sociais-democratas, essas magras conquistas dos trabalhadores estão sempre em perigo, suscitando uma luta tenaz pela sua manutenção. A actual crise do capitalismo tem mostrado bem, nesta matéria, através da facilitação das deslocalizações, da "flexibilização" e precarização laboral, o carácter de classe desses governos. No mercado de consumo, tanto a oferta capitalista como a procura social se encontram fortemente distorcidas relativamente às efectivas necessidades sociais. Do lado da oferta, ela é distorcida pela busca das máximas taxas de lucro, provocando enormes desproporções entre os diversos sectores económicos em desfavor das reais e básicas necessidades das grandes massas populares, como são os produtos alimentares, a habitação, a saúde, o abastecimento de água e muitos outros produtos e equipamentos que poderiam melhorar a vida diária das populações. A fome, a pobreza e a miséria existentes no mundo são reflexo dessas distorções que o capitalismo nunca poderá resolver. Do lado da procura, esta é condicionada pela publicidade e pela manipulação dos impulsos emocionais mais elementares dos cidadãos, num quadro de competição consumista, levando os cidadãos a distorcer as suas reais necessidades em favor dos objectivos comerciais do capitalismo. No âmbito dos mercados financeiros, o capitalismo não só os desvinculou de qualquer forma de controlo pelos Estados nacionais e das necessidades da economia produtiva como os associou às maiores perversões sociais, designadamente o tráfico de drogas, de armas, e de seres humanos, ao encobrimento fiscal, à corrupção institucionalizada e a todas as actividades do crime organizado internacional. A partir dos "mercados financeiros" são desencadeadas vastas operações especulativas visando governos e Estados nacionais e promovido o endividamento massivo de instituições públicas e cidadãos. A desregulação financeira evidenciada na actual crise, levou a burguesia, a contra-gosto, a ceder temporariamente algum espaço para os Estados participarem nessa "regulação". Trata-se, portanto, da utilização dos Estados como "árbitros" temporários dos interesses das diversas fracções da burguesia mundial, ao mesmo tempo que se intensificam as condições de exploração dos trabalhadores e a marginalização dos "excedentários" aos processos económicos capitalistas. Enquanto a um nível geral a burguesia se mostrou totalmente incapaz de "regular" os diversos mercados em condições de satisfazer minimamente as necessidades dos povos, contrariamente ao proclamado pela teoria da "mão invisível", ao nível interno das empresas ou grupos empresariais, a burguesia conseguiu, apesar da hostilização que pratica relativamente aos trabalhadores, gerar eficientes sistemas de organização e gestão e atingir elevados níveis de produtividade do trabalho social. Como o homem é susceptível de erros, especialmente nas condições de trabalho alienado, os capitalistas para além de organizarem minuciosamente todos os processos de produção, automatizaram o máximo de funções operacionais com equipamentos de precisão e desenvolveram as melhores técnicas de controlo da acção dos trabalhadores, levando a uma frenética intensificação do trabalho. Estes factores permitiram ao capitalismo a obtenção de levados níveis de eficiência na utilização dos recursos, os quais constituem um desafio para o Socialismo, em condições bem diferentes de liberdade e valorização dos trabalhadores, manter e aumentar. Como fazê-lo então, a partir da base económica herdada do capitalismo? No Socialismo: Em primeiro lugar, haverá que relembrar que o Socialismo é um Projecto de Sociedade cujo ponto de partida é a sociedade capitalista existente ao momento. Como tal, implica entendê-lo como um processo de reengenharia social prolongado no tempo, durante o qual de desconstroem componentes e características e se constroem outros, em conformidade com as circunstâncias e particularidades de cada sociedade e cultura. No Socialismo, as actividades produtivas sociais não são entendidas como "fábricas de mais-valia" mas sim como "fábricas de Felicidade Humana" completamente integradas na quotidianidade dos cidadãos e das comunidades, a par de outras actividades sociais, segundo o princípio do racionalismo holístico, com vista ao Desenvolvimento Integral do Homem. O Socialismo visa proporcionar a todos os cidadãos a satisfação das suas necessidades pessoais e sociais de acordo com o conceito de Viver Bem (que inclui, como "produtos", para além dos bens e serviços necessários à reprodução social, a liberdade, a paz, a segurança em todos os domínios, a saúde e a solidariedade, o conforto, a harmonia ambiental, o amor e a responsabilidade para com todas as expressões da Vida, a partilha cultural, a estética e as expressões de identidade), em plena harmonia com a Natureza e com o mínimo esforço possível, disponibilizando o máximo tempo para a socialização e a promoção da saúde e da Cultura física, humanística, ética, cívica, científica, tecnológica, ambiental, estética e criativa. Nesse sentido, a gestão das actividades produtivas da sociedade baseia-se: - na identificação, democraticamente participada, aos diversos níveis da gestão social (comunitária, municipal, inter-municipal, regional/estadual e nacional) das necessidades humanas e sociais, presentes e futuras; - na avaliação e escolha democrática das estratégias de desenvolvimento social face aos condicionamentos existentes e na fixação de objectivos, globais, sectoriais e comunitários; - no planeamento racional das actividades a desenvolver e dos recursos a afectar, segundo métodos democráticos participativos, desde o nível da comunidade de base e das associações de comunidades até ao nível geral da sociedade; - na execução colectiva, cooperativa, eficiente e responsável das acções planeadas aos diversos níveis da administração social, por todos os cidadãos, segundo as respectivas capacidades, utilizando para o efeito os melhores conhecimentos científicos e tecnológicos e os meios de produção ao dispor da sociedade. - na extinção progressiva da divisão do trabalho em função do desenvolvimento progressivo e integral dos cidadãos, permitindo uma adequada rotatividade de funções e tarefas, o aproveitamento de toda a capacidade de trabalho social e a diminuição progressiva da jornada de trabalho social necessária, na esfera da produção material; - num processo contínuo de desenvolvimento tecnológico e científico e num processo massivo de inovação de métodos, processos e soluções levado a cabo pelos cidadãos e as comunidades com base na sua Cultura e Criatividade; - na redefinição dos processos produtivos com vista à minimização dos impactos sobre a natureza e do consumo de matérias primas e o reaproveitamento socialmente útil de todos os resíduos da produção. Independentemente das estratégias, caminhos e ritmos que cada sociedade venha a adoptar para a transição ao Socialismo, em conformidade com as respectivas especificidades, estes são princípios invariantes que deverão guiar a acção revolucionária em todos os momentos. A gestão económica socialista estrutura-se simultaneamente por níveis de administração social (de complexos territoriais-sociológicos) e por cadeias produtivas, segundo os princípios da subsidiariedade, da eficiência económica e da sustentabilidade, e responde perante os órgãos do Poder Popular correspondentes. As actividades produtivas não estratégicas que, durante um largo período de transição, continuarão a ser desenvolvidas segundo o modelo capitalista integrar-se-ão de modo adequado, de modo a extrair todas as potencialidades ainda contidas na "iniciativa e na gestão privada", no sistema global de planeamento e gestão socialista. Constituindo a sociedade socialista uma "confederação" de comunidades abertas, dotadas de auto-governo, caracterizada pela unidade, a cooperação e a solidariedade, as unidades socialistas produtivas e de serviços deverão ser administradas pelo adequado nível de administração social, de acordo com os princípios da melhor alocação, em função do âmbito de impacto e da complexidade de gestão dessas unidades, e da participação contínua dos níveis inferiores. Neste quadro, será assegurado que cada uma das comunidades está a dar o seu máximo esforço para o sucesso geral do sistema produtivo e, também, que estão a ser criadas as condições para o exercício transparente da solidariedade mútua e para o reforço da unidade global da sociedade. No Socialismo não haverá "externalização de custos", sobre qualquer componente da sociedade; poderá ser admitido um certo nível de "externalização de custos" sobre a Natureza e o ambiente, de modo cientificamente fundamentado, em função da sua capacidade de absorção por esses sistemas, sem prejudicar os seus equilíbrios nem as condições de existência das outras espécies vivas. No Socialismo será redesenhada toda a distribuição dos assentamentos e das actividades humanas sobre os territórios de modo a favorecer o bem-estar social, intensificar os processos de socialização, melhorar a eficiência das actividades produtivas materiais e salvaguardar as condições naturais e ambientais. A esta postura intrínseca ao Socialismo chamam hoje alguns, pomposa e despropositadamente, ecosocialismo (mais um "ismo" a acrescentar à já vasta colecção). No Socialismo será favorecida a mobilidade dos cidadãos por todo o espaço territorial em função das escolhas pessoais quanto às comunidades em que se queiram integrar, quanto ao tipo de actividades produtivas sociais em que desejem trabalhar e quanto aos estilos de vida. Em conformidade, deverá ser redesenhada toda a rede e a tipologia habitacional no sentido de favorecer essa mobilidade. O exercício da mais ampla Liberdade por todos os cidadãos, com vista à sua realização humana e social, implica exigências acrescidas sobre os sistemas produtivos materiais e de serviços que não existem no capitalismo, onde a optimização económica se faz à custa e sacrificando esses valores sociais essenciais para a esmagadora maioria da população. A "disciplina laboral" dos cidadãos no Socialismo, sendo embora uma disciplina consciente, não imposta, terá de ser muito mais elevada do que no capitalismo, não devendo ser admissíveis situações de incompetência ou negligência de que possam resultar danos ou prejuízos para a sociedade. Estas exigências serão tanto mais elevadas quanto maior responsabilidade social acarretem as funções exercidas. Esta questão, da maior importância prática e cultural, determina que, no período de transição, enquanto a nova cultura de responsabilidade e a moral socialista não estejam extensivamente consolidadas, sejam estabelecidos mecanismos de sancionamento social dos comportamentos irresponsáveis e moralmente corruptos. De acordo com o princípio de distribuição de funções em função das capacidades de cada um, nas unidades produtivas de maior impacto sobre a sociedade ou de maiores exigências tecnológicas e comportamentais só deverão ser admitidos cidadãos mediante uma rigorosa selecção social e democrática, mediante a avaliação do seu mérito ao longo da vida. Atendendo, por um lado, à necessidade de optimização dos activos físicos e tecnológicos ao dispor da sociedade socialista e, portanto, da maximização da sua utilidade, e, por outro, à gradual redução das jornadas de trabalho, será expectável que cada unidade produtiva venha a ser operada por uma comunidade de trabalhadores muito mais numerosa do que os que seriam aplicados nas condições do capitalismo. Esse número poderá ainda ser aumentado em consequência da liberdade de escolha dos cidadãos quanto às suas aplicações laborais, à necessidade de promover a rotatividade de funções e à integração laboral dos jovens em fase de formação, mantendo-se, em continuidade, uma extensa actividade de formação técnica e operativa. Este fenómeno nada tem que ver com o "sub-emprego" ou a ociosidade que caracterizaram algumas situações verificadas em anteriores experiências socialistas, motivadas pela "emergência" de eliminar o desemprego; pelo contrário, pela valorização do factor humano que suscita, ele potencia ainda mais as capacidades produtivas do Socialismo. Na esfera da produção material, as exigências organizacionais e comportamentais deverão ser similares às requeridas nas actividades de defesa e segurança, compatibilizando o máximo de requisitos da "democracia integral" com os elementos de ordem hierárquica necessários à manutenção da eficiência de acção. No Socialismo será prosseguida e intensificada a concentração da produção material em complexos coerentes de unidades complementares entre si, baseadas na utilização da mais moderna e inovadora tecnologia e em processos de automação e robotização, de modo a aproveitar todas as potencialidades das produções em escala, permitir a melhor rentabilização social dos activos existentes e eliminar sistemas duplicados ou de baixo rendimento, designadamente nos âmbitos logístico e administrativo. A este respeito, há que salientar que no Socialismo se desincentiva, tal como no Capitalismo, mas de modo não predador e agressivo, antes superando-a positivamente, à reconstituição "idílica", no âmbito da produção social alargada, da "pequena produção", retrógrada e socialmente ineficiente. No entanto, prudentemente, aprendendo algumas lições de experiências passadas, designadamente da ex-URSS, também se deverá opor a soluções técnicas e organizacionais "gigantescas", que retiram flexibilidade e adaptabilidade ao sistema produtivo a médio e longo prazos e tendem a fragilizar o controlo social democrático sobre o seu funcionamento. Os avanços expectáveis da ciência e da técnica no Socialismo e a extensiva utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação aconselham e possibilitam a não reprodução de soluções rígidas, "industrialistas", que exigem enormes quantidades de fundos sociais de acumulação para a respectiva implantação. No Socialismo, o debate democrático aberto e fundamentado sobre estas questões possibilitará que se encontrem as melhores e mais proporcionadas soluções para a organização do sistema produtivo, tendo em vista a maximização da produtividade do trabalho social em cada situação específica. Um dos aspectos que carece desse debate democrático deverá ser a proporção do trabalho social a aplicar na produção para o consumo social e para o desenvolvimento de novos meios de produção, atendendo à importância destes para o desenvolvimento geral futuro da sociedade e à necessidade de assegurar um nível de autonomia mínimo relativo ao comércio internacional desse tipo de produtos e equipamentos. Associados a esses complexos produtivos serão instalados centros de investigação e desenvolvimento reunindo todas as componentes do Conhecimento adequadas a cada situação, no sentido da constante incorporação de novas tecnologias e métodos de gestão que conduzam à elevação da produtividade do trabalho social. Este processo de estruturação de novos sistemas integrados de planeamento e gestão da produção será gradual, tão rápido quanto possível, de acordo com as especificidades de cada situação real. Uma das infraestrutras básicas que caracterizará a sociedade socialista será a rede integral de telecomunicações de voz, dados e imagens de elevada capacidade e rendimento, cobrindo todo o território, possibilitando não só as relações sociais de todo o tipo como, especialmente, a integração e controlo de todos os processos produtivos e de distribuição em tempo real. No Socialismo serão utilizados de modo extensivo e intensivo os métodos de normalização e de controlo de qualidade dos meios de produção e das produções, de modo a obter sinergias e eliminar desperdícios e disfuncionalidades, no respeito pela diversificação de produtos necessária à satisfação das necessidades sociais. Como se depreenderá, no Socialismo desenvolvido não haverá "mercado" nem "mercadorias", devendo contudo continuar a haver mecanismos que possibilitem a criação e a inovação permanentes e a escolha pelos cidadãos de gamas suficientemente largas de produtos e serviços, em função dos seus gostos pessoais e que permitam as expressões de identidade social e cultural e de personalidade individual. Nessa fase muito adiantada da transição para o Socialismo, a "oferta" e a "procura" serão protagonizados pelos próprios cidadãos, os quais integram nesta última categoria plenipotenciária as velhas e opostas categorias de "produtores" e de "consumidores". Por isso, os cidadãos participarão de modo contínuo e institucionalizado na definição das características técnicas, funcionais e estéticas de toda a produção resultante do trabalho social, bem como nas decisões de lançamento de novas linhas de produtos, com vista a que estes correspondam da melhor maneira, pela quantidade, qualidade e variedade, às necessidades sociais. Através deste mecanismo extinguir-se-á a única função do "mercado" capitalista que serve os interesses da sociedade, que consiste na validação do mérito dos produtos através da escolha dos "consumidores" (apesar de condicionada pela "publicidade" capitalista). No Socialismo serão desincentivados todos os processos baseados na queima de combustíveis fósseis, reservando o máximo de reservas desses recursos naturais como matérias-primas de base para as indústrias químicas, ao dispor das sociedades actuais e das gerações futuras. A alteração dos paradigmas energéticos e de transportes próprios do capitalismo predador é uma das tarefas centrais do Socialismo. No mesmo sentido, no Socialismo serão incentivados os processos de produção "não lineares" desenhados de modo a poderem utilizar energias renováveis, a permitirem o reaproveitamento integral dos resíduos ("lixo zero") e a utilizarem "química verde". Numa fase muito adiantada da transição para o Socialismo a função "dinheiro" extinguir-se-á, sendo substituída por créditos de horas de trabalho social. O sistema financeiro socialista distinguir-se-á fundamentalmente do actual sistema capitalista, estando destinado a administrar os diversos fundos sociais de reserva, de acumulação, de emergências, etc., criados no âmbito da nova sociedade e do novo sistema produtivo. No Socialismo, todas as actividades produtivas e de prestação de serviços hoje genericamente chamadas de "serviços públicos" e normalmente alheias ao rigor da gestão empresarial, incluindo as relativas à educação, à saúde, ao apoio social e à administração em geral, adoptarão métodos de gestão que lhes permitam executar e melhorar contínua e qualitativamente as suas atribuições com a máxima eficiência "económica" e social, isto é, com o mínimo de custos e com a máxima satisfação social. No Socialismo, as redes de distribuição de produtos para satisfação das necessidades sociais deverá ser reorganizada estrutural e espacialmente de modo a assegurar a máxima satisfação social e diminuir os custos logísticos gerais (transporte, conservação, armazenagem, etc.). No Socialismo, as actividades agrícolas e de criação animal deverão ser compatibilizadas com as condições naturais e ambientais, com o respeito adequado a todas as formas de vida, com a saúde das populações a longo prazo, procurando aproveitar ao máximo os ciclos naturais e diminuindo gradualmente a introdução de factores de aceleração artificial (pela "quimização" ou pela manipulação genética) dos crescimentos, em função das necessidades sociais e da incrementação da produtividade. Após tantos anos de exploração capitalista predadora nesses sectores, tendente ao abastecimento de grandes centros urbanos com matérias-primas e produtos alimentares baratos (para benefício da indústria capitalista), este será um dos grandes desafios científicos, técnicos e organizacionais do Socialismo. Igualmente serão implantadas numerosas áreas protegidas e reservas naturais, de modo a assegurar tanto a biodiversidade e as condições de existência de todas as outras espécies vivas como as condições de existência de povos e culturas específicas. Todo esse património deverá ser objecto de um extraordinário esforço de investigação científica de modo a identificar e preservar as suas potencialidades para o benefício da Humanidade e dos diversos sistemas ecológicos. A transição para o Socialismo em condições de hegemonia capitalista à escala mundial implica que sejam privilegiadas as relações económicas com os países anti-imperialistas e, preferencialmente, com processos de desenvolvimento progressistas ou de transição para o Socialismo, com base em critérios de complementaridade produtiva e de comércio justo e solidário. Se bem que, no caminho para o Socialismo, os estímulos morais adquiram uma importância crescente, durante um longo período não deverão ser subestimados os estímulos materiais à produção material e à qualidade os serviços. O desenho de tais mecanismos de estímulo deve ser transparente, democraticamente aceite e privilegiar os estímulos colectivos aos individuais. Este assunto é da mais elevada importância no processo de marcha para o Socialismo, pois dele depende a aceleração da produtividade do trabalho social e, também, a criação de um ambiente psicológico geral positivo nas comunidades e em toda a sociedade.

No plano da gestão económica, quais as diferenças fundamentais entre o Capitalismo e o Socialismo? a) Quanto à utilização dos recursos - O Capitalismo, guiando-se pelo máximo lucro e acumulação, só atenta, em cada momento e lugar, à exploração dos recursos e das actividades que lhe asseguram aqueles objectivos, explorando-os da forma mais intensa e predatória possível, deixando todos os outros recursos e actividades, incluindo os humanos, em "pousio" ou "hibernação", para quando lhe seja conveniente. - O Socialismo caracteriza-se pela utilização e exploração óptima e constante de todos os recursos disponíveis, incluindo os recursos humanos, naturais e tecnológicos, com vista à satisfação das necessidades de toda a Humanidade e em harmonia com os ciclos naturais. b) Quanto à gestão da produção e do consumo - No Capitalismo, à escala geral, reina a anarquia dos "mercados", condicionados e distorcidos pelos monopólios associados ao poder político e pela manipulação dos "consumidores"; no âmbito das unidades produtivas e de prestação de serviços, reina o poder ditatorial do patronato e o mais rigoroso e burocrático planeamento central. - No Socialismo, em qualquer escala, nos níveis global da sociedade e comunitário e de cada unidade de produção e serviços, reinará o planeamento democrático e participativo, realizado em interacção permanente entre os cidadãos produtores e as comunidades.

As considerações gerais acima expostas, relativas ao modelo de gestão do sistema produtivo socialista, o qual constitui, por si próprio um dos principais meios de produção, procuram desenhar um esboço geral de referência que permitirá em cada momento, em consonância com os avanços verificados nos planos político, cultural e social, "orientar" as acções a desenvolver em cada fase do prolongado e complexo processo de avanço para o Socialismo.

Optimização da Distribuição dos Resultados da Produção Material e dos Serviços Resolvida a questão da distribuição dos meios de produção, através da mais ou menos rápida apropriação colectiva desses factores por toda a sociedade, restará definir os critérios fundamentais para a distribuição dos serviços e dos resultados da produção material. Quanto aos serviços: Estes são prestados às pessoas, às famílias, às comunidades e respectivas estruturas de administração aos diversos níveis, às unidades produtivas e ao ambiente natural. Muitos desses serviços, designadamente de educação/formação, de saúde, culturais, de defesa e segurança, de apoio social, ao ambiente natural, serão prestados de forma gratuita e geral, pelo que terão de ser financiados pelas diversas comunidades e pela sociedade no seu conjunto, através de fundos financeiros constituídos para o efeito. Os serviços às unidades produtivas e variados serviços às pessoas, famílias e comunidades, serão suportados directamente pelos seus utentes ou pelas suas estruturas associativas. A prestação dos serviços acima referidos envolve o consumo de bens materiais, produzidos directamente pela sociedade ou importados, cujos custos lhes são imputados. Quanto à produção material: A produção material social destina-se: - a ser consumida pelas actividades de reprodução simples da sociedade; - à constituição de reservas estratégicas de determinados produtos ou recursos, tanto para utilização própria da sociedade como no âmbito da solidariedade internacional; - à criação de condições para a reprodução ampliada da sociedade (estudos, investigação, desenvolvimento, inovação, desenvolvimento cultural nas suas diversas vertentes, construção de infraestruturas, promoção dos sistemas ecológicos naturais e outros meios de produção) mediante investimentos que potenciem o desenvolvimento social futuro; - às trocas internacionais, permitindo que a sociedade beneficie de produtos de que é deficitária ou que produz com mais custos do que os parceiros comerciais, - à constituição de reservas financeiras gerais da sociedade. Uma das funções estratégicas dos órgãos de gestão da sociedade socialista é a definição, em cada momento, das proporções óptimas de cada uma dessas componentes tendo em vista o desenvolvimento sustentado da sociedade no seu conjunto. Ao nível da distribuição para o consumo pelos cidadãos, a sociedade socialista, promovendo embora a igualdade de condições de todos os cidadãos, não é uma sociedade igualitária. ... o verdadeiro conteúdo do postulado da igualdade proletária é a aspiração de alcançar a abolição de classes. Qualquer outra aspiração que transcenda tais limites resvala, necessariamente, para o absurdo. F.Engels; Anti-Duhring. A igualdade é promovida através do acesso gratuito e geral de todos os cidadãos a um vasto conjunto de bens e de serviços no âmbito alimentar, da habitação, da água e saneamento, da energia, das telecomunicações, da saúde, da segurança, da educação e formação e da cultura em geral e outros, que, em cada momento do desenvolvimento social e produtivo, possam ser considerados como "direitos vitais", com vista a proporcionar condições gerais de igualdade para que cada cidadão, a partir do seu próprio esforço, empenhamento e sentido da responsabilidade social, se possa realizar plenamente e partilhe com a sociedade todas as suas aptidões. Estes "direitos vitais" deverão ser imputados a cada cidadão (por capitação) consoante as suas necessidades fundamentais em cada fase do ciclo da vida e serem administrados de modo a assegurar a autonomia de decisão de cada um sobre a sua própria vida, sem relações de domínio ou dependência, competindo a cada comunidade zelar pela sua correcta concretização. Porém, os indivíduos são diferenciados tanto nas suas aptidões e capacidades como nos contributos quantitativos e qualitativos que dão para o desenvolvimento social geral. Por isso, o critério básico socialista da distribuição é a quantidade de trabalho social desenvolvido por cada cidadão, valorizado por coeficientes de qualidade, de complexidade, de empenhamento pessoal, de responsabilidade social e de sentido colectivo. No entanto, a aplicação destes critérios básicos e a eventual introdução de outros não deve ser tratada de modo "administrativo", devendo antes resultar de decisões colectivas, democráticas, participadas, críticas e auto-críticas, levadas a cabo pelas diversas comunidades socio-territoriais e produtivas no quadro da unidade e co-responsabilidade de toda a sociedade. A sociedade socialista deverá incorporar um adequado sistema de estímulos, de carácter moral e material, para o desempenho de actividades especialmente importantes para o seu desenvolvimento contínuo em diversos domínios, produtivo, cultural, social ou ambiental, bem como para actividades que envolvam difíceis condições de realização ou riscos especiais. A sociedade socialista reconhecerá feitos pessoais ou colectivos que, em diversos domínios e circunstâncias, se notabilizem positivamente junto de toda a sociedade ou no plano internacional. No quadro da transição para o socialismo poderão subsistir por longo período diversas formas de propriedade dos meios de produção as quais, constituindo embora factores de aceleração do desenvolvimento produtivo, são susceptíveis de gerar as correspondentes expectativas de distribuição dos resultados da produção, isto é, desigualdades acentuadas no acesso a alguns bens e serviços. A sociedade socialista poderá utilizar diversos instrumentos (contratuais, fiscais, etc.), através dos quais sejam regulados os estímulos a esses modos de produção, designadamente a obtenção de lucros financeiros, de modo a, progressivamente, de acordo com as circunstâncias, se aproximarem do modelo socialista de distribuição dos resultados da produção. Uma distribuição optimizada dos resultados da produção material e dos serviços tem vários efeitos multiplicadores sobre toda a sociedade: - Assegura o processo de desenvolvimento contínuo e sustentado do sistema produtivo; - Reforça o sentimento de identidade e unidade política, ideológica e comunitária; - Dá sentido à Cooperação e à Responsabilidade Social e Ambiental; - Valoriza o esforço individual e colectivo pelo desenvolvimento cultural nas suas diversas vertentes; - Inibe alguma tendência que possa subsistir para comportamentos anti-sociais resultantes da velha cultura e ideologia capitalistas; - Constitui um factor de atracção de outros povos e sociedades pelo Projecto Socialista.

O Consumo Socialista: Óptimo e Responsável O sistema Capitalista é uma "máquina" de produção de lucros e acumulação. Há várias maneiras de acelerar o funcionamento dessa "máquina": 1ª - A guerra, traduzindo-se não só na destruição quase imediata de mercadorias recém-produzidas (os sistemas de armas e respectivas munições) como também da destruição massiva de bens, instalações e infraestruturas dos opositores, principalmente dos perdedores das guerras, criando um "vazio" de bens que deverá ser preenchido pelos "esforços de reconstrução"; 2ª – A atomização social e o consumismo, traduzidos da fragmentação das comunidades no isolamento das famílias e, na fragmentação destas em "unidades individuais de consumo" submetidas à manipulação da publicidade e às influências da "moda", resultando daí uma imensa acumulação de bens pessoais e familiares, disponíveis mas com baixíssimas taxas de utilização; 3ª – O endividamento, traduzido no consumo imediato "a crédito". 4ª – Tácticas industriais e empresariais deliberadas, viradas para a "substituição" em vez da "manutenção", para a obsolescência e o "fim de vida" programados de determinados componentes de equipamentos, estímulos financeiros à "substituição" e à "destruição criativa", não uniformização de peças equivalentes, alteração periódica de normas técnicas, descontinuidade de fabricação de componentes, estratégias comerciais dirigidas (saldos, "fidelização de clientes", etc.). 5ª – Imposição governamental de políticas de "direitos" e de criminalização e perseguição às actividades de produção e comércio de substitutos, etc. Como resultado dessa "política de consumo" baseada no "sucesso pelo ter e não pelo ser", os indivíduos, as famílias e as comunidades, dirigidas por políticos do "espectáculo e do prestígio pessoal", não "consomem" o que seria realmente necessário para uma vida pessoal e social livre e integral, mas sim o que o capitalismo lhes induz. Para além de não se dirigir à Felicidade Humana, esse "consumismo" tem fortes impactos ambientais, tanto ao nível dos recursos naturais como da deposição e eliminação de resíduos sólidos, líquidos e gasosos. As políticas orientadas para o "crescimento económico", em vez de promoverem as produções viradas para a satisfação das necessidades materiais para uma vida digna de todos os cidadãos, visam o aumento do "consumismo" dos bens cuja produção, pelas mais-valias geradas, mais convêm aos capitalistas. No Socialismo, o interesse geral da sociedade e do ambiente natural coincidem no menor dispêndio de trabalho social e de recursos naturais possível, no quadro da plena satisfação das necessidades humanas e sociais em termos de quantidade, qualidade, diversidade e oportunidade. A prevalência reside no ser e não no ter. Os indivíduos, as famílias, as comunidades e a sociedade deverão dispor de tudo o que precisam para a sua realização integral, para o Viver Bem, bastando-lhes não mais do que isso. Por isso, no Socialismo, o consumo poderá caracterizar-se como Óptimo e Responsável.

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Por: Miguel Ángel Sámano Rentería y Ramón Rivera Espinosa. (Coordinadores)

Este libro es producto del trabajo desarrollado por un grupo interdisciplinario de investigadores integrantes del Instituto de Investigaciones Socioambientales, Educativas y Humanísticas para el Medio Rural (IISEHMER).
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